Contra o ateísmo

Por que se diz que Deus não existe


Visto que não há argumento racional, muito menos evidência alguma de que Deus não exista, deve haver uma razão para que não se creia na sua existência. Se duvidar de Deus não se sustenta, ou seja, se o postulado “Deus não existe” não é uma conclusão lógica e necessária, como já vimos acima; se o postulado “Deus não existe” não é uma premissa que se sustente, não é uma premissa que possa ser corroborada por evidências, então por que alguns dizem que Deus não existe? Por que alguns negam a inteligência superior causadora do universo? Se tudo tem uma causa, então o próprio ateísmo tem de ter uma causa também, isso é lógico.
Imagine que você deva muito, mas muito dinheiro a alguém. Imagine que esse alguém tem o poder de mandar prendê-lo caso você não lhe pague. Sendo você perverso por natureza, o que você faria? Agora imagine se fosse possível a você matar esse seu credor sem ser punido por essa morte. Diante de tudo isso, o que você faria? Se você não coragem de admitir, eu lhe digo o que você faria: você mataria seu credor e ficaria livre de sua dívida. De fato, o ateísmo é a morte de Deus na mente de quem o nega. Visto que Deus requer de cada um de nós um comportamento ético que amordaça nosso princípio do prazer, visto que nossa natureza animal não quer suportar as rédeas da ética divina, o ateu é aquele que opta por retirar a mordaça, por matar Deus em sua mente, e então se ver livre desse credor terrível.
Veja bem, você pode até conhecer ou já ter ouvido falar de ateus que se dizem ateus porque são estudiosos e muito inteligentes. Mas não se deixe enganar, eles não são inteligentes, são estúpidos e mal intencionados. São estúpidos porque negar Deus não é uma atitude racional, não é fruto de raciocínio, não é uma descoberta inteligente, como já vimos. Negar Deus não é fruto de uma conclusão racional. Por isso eles não são inteligentes, são tolos e irracionais. E são mal intencionados do ponto de vista ético, pois o que eles almejam com seu ateísmo é simplesmente nada dever a sua consciência. Matando Deus em suas mentes, eles se sentem livres das rédeas da ética e da moral.
Algum ateu poderia argumentar que muitas pessoas há que acreditam em Deus e que não imorais e antiéticas. Mas isso é pensar superficialmente. O ateísmo que nega que Deus existe é somente uma forma de ateísmo, uma que faz parte de um continuum de ateísmo, é um ateísmo mais moderado. A Bíblia nos diz que podemos confessar Deus com nossos lábios, mas podemos negá-lo com nossas obras. Assim, toda vez que quebramos a ética cristã, somos, naquele momento, de certa forma, ateus, pois negamos Deus com nosso proceder. Isso é fácil de se entender. Fazer aquilo que Deus não quer é negá-lo, fazer aquilo que ele deseja é afirmá-lo. Assim, ser ateu não é somente dizer que Deus não existe, é também fazer exatamente o oposto daquilo que ele quer, sabendo exatamente o que ele quer. Não há, portanto, escapatória, o ateísmo não é fruto de um raciocínio inteligente, mas o fruto de uma velhacaria intelectual. Em vez de pôr em dia as contas com seu credor, opta-se por eliminá-lo, é uma via de fuga mais fácil, mas muito pouco inteligente.


Causa psicológica do ateísmo


E sabido que os homens crêem em muitas coisas que gostariam que existissem. É uma maneira que temos de enganar a nós mesmos, sem que nós mesmos percebamos isso. Muitas pessoas se aferram a certas certezas, não porque haja alguma forte evidência que as conduza a essas certezas, mas porque tais pessoas gostariam tanto que tais coisas em que crêem fossem verdadeiras, que acabam crendo nelas. Crer é, portanto, muitas vezes, uma questão de opção. O contrário também é verdadeiro. Muitas vezes queremos tanto que algo não seja verdadeiro, que duvidamos de que ele seja mesmo quando a realidade da coisa salta aos nossos olhos, é óbvia. O fato de operarmos em obediência a algo que Freud chamou de princípio do prazer nos leva a duvidar do que seja real e também a crer no que seja falso. Essa faceta da nossa tarefa se coaduna com o ditado que diz que “ O pior cego é aquele que não quer ver”. De fato, muitas vezes não nos interessa “ver” algo, simplesmente porque esse algo nos provocará uma tensão, uma sensação de desprazer. Como o prazer é algo que muitas criaturas procuram e o desprazer é algo que muitas evitam, não é nada incomum que nossa mente produza certos artifícios que nos permitam fugir do desprazer, do desgosto. Crer e duvidar podem muito bem estar relacionados a essa peculiaridade da nossa mente.
Não é incomum se ouvir o argumento de que crer em Deus é uma maneira de fugir da realidade, das dores, do sofrimento, enfim. Que Deus é somente um artifício da mente humana, um refúgio, um engodo que providenciamos para nós mesmos. Deus seria o pai protetor, que nos ajudaria a levar a vida, uma vez que esta é tão dura. Mas esse é um argumento muito, mas muito superficial, como superficial é tudo aquilo que um ateu possa dizer sobre Deus ou sua existência. Vamos entender por que.
Em primeiro lugar, temos de saber de que deus estamos falando. Se estamos falando dos deuses antigos, os deuses gregos e romanos, os deuses das civilizações pagãs, então somos forçados a admitir que tais deuses são mesmo um artifício da mente humana. E por que afirmamos isso? Pelo fato de que tais deuses eram concebidos como seres humanos mesmo. Eles eram ciumentos, encrenqueiros, manipuladores, facciosos, mentirosos, tiranos, vaidosos e, como os humanos, buscavam o prazer. A única diferença entre tais deuses e os homens que os adoravam era o fato de que os homens são feitos de carne e osso e tais deuses não. Fora isso, não havia diferença. Os deuses pagãos são tão parecidos com os humanos, que é difícil acreditar que pudessem ter existido mesmo. Não eram deuses, eram projeções dos seus criadores, os homens.
Por outro lado, se o Deus de que estamos falando é o Deus dos cristãos, então a coisa muda completamente. A leitura do novo testamento, dos ensinamentos de Jesus nos leva a constatar que o Deus dos cristãos é totalmente diferente dos seres humanos. Os mandamentos de Cristo são, de fato, algo impensável para nós. Eu digo impensável, não impraticável. Nenhum ser humano poderia ter imaginado o Deus dos cristãos, pois o Deus dos cristãos não vai ao encontro do nosso princípio do prazer. Pelo contrário, os mandamentos do Deus dos cristãos provocam em nós, na verdade, repulsa, pois o que a ética cristã exige dos homens é exatamente o que os homens não querem praticar. Nós queremos é nos vingar dos nossos inimigos, mas o Deus dos cristãos nos diz para perdoá-los. Nós queremos é uma vida de prazer, sem dissabores, mas o Deus dos cristãos nos ordena a renúncia a eles. Queremos também viver livres de toda rédea moral, e o Deus dos cristãos nos ordena que ponhamos nossos instintos, os sexuais, por exemplo, sob rédeas muito, mas muito curtas mesmo. Que ser humano pensaria em um Deus assim? Que ser humano conceberia um Deus que vem exatamente a nos contrariar, a contrariar a nossa natureza? Toda vez que se ouve o argumento de que o Deus cristão é uma invenção humana, que alguém em algum lugar o imaginou e o criou por alguma razão, então, está-se, na verdade, é admitindo a existência de um Deus cristão, pelo simples fato de que a natureza dos ensinamentos e mandamentos do Deus cristão requer um ser totalmente diferente de um homem. Negar o Deus cristão é, portanto, admiti-lo, necessariamente. Vejamos a coisa por um outro lado.
Muitos “estudiosos” negam que tenha havido um homem chamado Jesus. Para muitos, Jesus é somente uma invenção, um personagem literário criado a partir de características de outros mitos. Ora, tal afirmação é, além de superficial, totalmente obtusa, resultado de um não-pensar. Visto que existem os ensinamentos de um homem chamado Jesus, visto que alguém teria de imaginado tais ensinamentos, então tem-se que esse alguém é Jesus, pelo simples fato de que existem tais ensinamentos. Alguém poderia dizer mais racionalmente que o tal Jesus não era Deus, mas um homem, isso seria, de fato, mais aceitável. Porém, dizer que não houve nem sequer um homem chamado Jesus, autor das palavras registradas nos evangelhos, é mostra de obtusidade, pois, visto que as palavras estão lá, necessariamente alguém as disse ou escreveu ou imaginou, então, necessariamente esse alguém é Jesus. Fosse um homem, fosse uma mulher, fosse um menino, o fato é que era um ser humano, pois não foi um jumento ou um hipopótamo que tais palavras concebeu, mas um ser humano, tal ser humano é o que nós chamamos de Jesus.
Voltemos ao nosso primeiro ponto, o da afirmação de que Deus é uma invenção humana. Tal afirmação é, como dissemos, superficial e obtusa, pois o Deus dos cristãos é algo que nenhum ser humano quer. A ética do Deus dos cristãos é prova de que ele existe.
Freud, o pai da Psicanálise, afirmava que a ética e a religião é fruto da dissolução do complexo de Édipo. Ora, essa é uma afirmação obtusa e superficial também. Freud nos diz que



“A religião, a moralidade e um senso social - os principais elementos do lado superior do homem - foram originalmente uma só e mesma coisa. Segundo a hipótese que apresentei em Totem e Tabu, foram filogeneticamente adquiridos a partir do complexo paterno”. (O Ego e o ID, p.21)


Achamos essa afirmação superficial demais. Para que o homem criasse em si o sentimento de ética e moral, ele teria que, necessariamente, já ser ético e moral. O simples fato de ser perceber a necessidade da ética já é, em si mesmo, ético. Ou seja, o criador da ética teria de ser ético antes.
Ora, por que o homem iria querer ser ético? A ética não nos fez nem um pouco felizes. Continuamos sofrendo com nossas angústias mesmo sendo éticos. A não-ética estaria muito mais ao gosto de nossas perversões. Criar o Deus cristão seria algo um tanto quanto contraproducente, algo como dar um tiro no próprio pé.